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Carta à Sociedade Brasileira: a educação durante a pandemia

A educação em tempos de pandemia: as medidas devem ser equitativas e sensíveis ao momento de emergência e vulnerabilidade social das famílias e das/os profissionais da educação

Brasil, 30 de abril de 2020. 

Carta sobre o cenário de medidas tomadas no país, especialmente as políticas precipitadas e excludentes de Educação a Distância (EaD) e sobre o Parecer do CNE acerca do tema.

A rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação defende uma educação pública, gratuita, equitativa, inclusiva, democrática e de qualidade social destinada a todas as pessoas residentes em território nacional, conforme previsão da Constituição Federal de 1988 e demais normas nacionais que regulam o direito à educação. Mesmo e especialmente em um momento de emergência, como é o que estamos vivendo no enfrentamento à COVID-19, defendemos que as políticas educacionais se orientem por esses princípios para desenvolver ações de combate à pandemia.

Considerando:

● as disparidades de acesso a serviços básicos e as desigualdades sociais, educacionais e regionais;
● que menos de 40% dos estudantes de educação básica da rede pública têm computador ou tablet em casa e que mais da metade dos estados brasileiros têm domicílios com menos de 60% de acesso à conexão a internet banda larga;
● que muitos domicílios brasileiros não têm sequer infraestrutura básica adequada, sendo 35 milhões de pessoas sem água tratada e 100 milhões sem coleta de esgoto;
● que, em média, as mulheres dedicam 18,1 horas por semana a cuidados de pessoas e/ou afazeres domésticos, sendo que, entre as mulheres negras, essa média sobe para 18,6 horas semanais; e que, portanto, a carga de trabalho dessas mulheres tende a aumentar em momento de distanciamento social em casa;
● que mais de 80% das professoras da educação básica são mulheres;
● que ainda há 38 milhões de pessoas em analfabetismo funcional no Brasil, o que impacta de forma ampla o apoio à educação de crianças e adolescentes das famílias em casa;
● que o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) atinge 40 milhões de pessoas e ainda está prejudicada a distribuição de alimentos;
● que as e os profissionais da educação não têm formação adequada para a Educação a Distância, além de não serem provisionados equipamentos adequados, precarizando o trabalho docente;
● que há inúmeros relatos de demissões, cortes de carga horária e diminuição de salários de profissionais da educação em todo o país;
 Avaliamos que o direito à educação, em termos de acesso, permanência e qualidade dos processos de ensino-aprendizagem, fica lesado, deixando milhões de estudantes em situação precária e desigual caso sejam implantadas políticas de educação a distância, contando-se atividades remotas como dias letivos e sem flexibilização do calendário escolar.

Infelizmente, essa não é a posição do Conselho Nacional de Educação que, a despeito das inúmeras contribuições enviadas pela Rede da Campanha e por inúmeras entidades da sociedade civil, professoras e professores, estudantes, e comunidades escolares, manteve um parecer raso e deslocado da realidade, que indica o uso de aulas e atividades a distância sem considerar as condições necessárias para isso.

O CNE, por meio do Parecer, ignorou as vozes das escolas, comunidades escolares e especialistas de todo o país. Demonstrou, assim, não respeitar os princípios de gestão democrática da educação e, muito menos, de transparência e prestação de contas da gestão pública - conforme Lei Complementar nº 131/2009 e Lei n° 12.527/2011 -, já que não publicou no seu site todas as contribuições e documentos submetidos à Consulta Pública, apesar de ter sido cobrado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Diante da situação, apelamos aos Conselhos e Secretarias de Educação nos estados, Distrito Federal e municípios, para que:

● aprovem a flexibilização do calendário escolar, considerando que atividades e ações a distância são complementares e, portanto, não devem podem contar como dias letivos;
● assegurem a garantia da igualdade de acesso e permanência na educação e dos padrões de qualidade no ensino, previstos no incisos I e VII do artigo 206 da Constituição Federal, bem como nos incisos I e IX do artigo 3º da Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para todos(as) os(as) alunos(as) da Rede Pública;
● garantam a execução do Programa Especial de Alimentação Estudantil, de modo que seja apresentada a metodologia utilizada para o cálculo dos valores previstos e a sua adequação às necessidades alimentares dos estudantes contemplados;
● garantam a segurança alimentar dos estudantes durante o período de suspensão das atividades presenciais, de modo que estes informem a existência de Plano de Entregas de kits alimentares, bem como sua adequação às normas publicadas pelo FNDE, em especial quanto à elaboração de cronograma de entregas, à quantidade per capita e à qualidade higiênico-sanitária dos alimentos;
● garantam condições adequadas de trabalho, formação e manutenção salarial das e dos profissionais da educação, incluindo os benefícios como vale transporte e alimentação;
● não coadunem com processos de privatização da educação e de parcerias que envolvam o uso e a venda de dados públicos e das redes de ensino;
● desenvolvam ações de combate às discriminações e desigualdades dentro e fora da escola, com políticas antidiscriminatórias e de proteção, principalmente em relação às famílias mais pobres, vítimas de violências e desigualdades, como é o caso das famílias negras e indígenas e também das mulheres;
● organizem espaços de participação para a escuta das/os profissionais de educação, famílias e estudantes, de forma a prover todo o apoio necessário em termos educacionais e também de proteção social nesse momento de pandemia;
● aproveitem o momento para fortalecer o diálogo democrático, o respeito à autonomia dos sistemas de ensino, o debate e o pensamento crítico como instrumentos pedagógicos básicos para a formação de pessoas autônomas, cidadãos e cidadãs capazes de refletir criticamente a realidade para transformá-la e torná-la mais justa.
Nesse momento de pandemia COVID-19, em que as desigualdades sociais e educacionais tendem a se aprofundar, a resposta daquelas e daqueles comprometidos de fato com o direito à educação deve estar alinhada às previsões e princípios constitucionais que garantem uma educação pública, gratuita, de qualidade e que não seja excludente, mas inclusiva e equitativa.

Assina a Campanha Nacional pelo Direito à Educação

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