Não podemos perder de vista o fato de que vivemos uma calamidade pública, para que não possamos ter atitudes que possam estimular práticas indevidas, no ponto de vista sanitário. Nenhuma prova 'cura' desigualdades históricas, mas também nenhum certame pode ampliar e agravar estas injustiças. (...) No futuro, as atividades remotas devem sem melhor preparadas." (REITOR DA UFBA e Presidente da ANDIFES – João Carlos Salles – Sobre o ENEM)
1- Boa Ventura de Souza Santos em “A cruel pedagogia do Vírus” nos leva a refletir sobre o tempo atual e pós-pandemia.
2- O debate sobre a realização do ENEM em meio a pandemia e o isolamento social ganhou a mobilização de muitas pessoas e organizações, incluindo a UFAL, a fim de que o mesmo fosse adiado. O governo federal, MEC, contrário ao adiamento, teve que ceder à pressão social, anunciando, portanto, o adiamento da realização da prova.
O principal mote do adiamento do ENEM foi: assegurar a inclusão de todos os estudantes e não reproduzir MAIS desigualdades.
3- NA UFAL, O CONSUNI/UFAL suspendeu o calendário acadêmico.
4- O debate sobre a EAD voltou à tona nesse tempo quando as instituições educacionais estão fechadas e requer o rigoroso isolamento/distanciamento social. O fato é que esse assunto está longe de ser consenso, especialmente quando se trata do ensino presencial nas instituições de ensino superior públicas que não estão ligadas ao “mercado educacional”, portanto, mantem sua autonomia didático-pedagógica. O ANDES-SN enviou aos docentes manifestação sobre a Portaria Ministerial do Ministério da
Educação MEC nº 343, de 17 de março de 2020, autorizou, em caráter excepcional, a
substituição das disciplinas presenciais em andamento por aulas que utilizem meios e
tecnologias de informação e comunicação por ensino a distancia.
5- A gestão da UFAL publicou a Portaria nº 438, de 25 de março de 2020 que cria o GT Educação mediada por tecnologias. Um dos objetivos do GT é “promover a articulação com os Campi e as Unidades Acadêmicas para institucionalização de até 40% da carga horária nos cursos de graduação presencial, voltada à modalidade à distância.
6- Em abril o GT tomou a iniciativa de disponibilizar questionário aos estudantes dos cursos técnicos, de graduação e de pós da Ufal com o objetivo de conhecer o acesso, a qualidade e as experiências com processos educativos por meios digitais. O resultado da pesquisa foi divulgado em maio.
7- Dos 28.568 estudantes matriculado na graduação, conforme dados do CENSO 2018. 2.336 matriculados na pós-graduação (lato e stricto sensu) e 292 estudantes dos cursos técnicos (PDI 2019-2023), totalizando 31.196 estudantes matriculados na UFAL, 4.372 estudantes participaram do questionário. Ou seja, apenas 14% dos estudantes matriculados participaram da pesquisa sobre as condições de acessibilidade às tecnologias.
8- Segundo o documento do GT dos 4.372 participantes da pesquisa, 96,61% (4.224) possuem acesso à internet onde moram. Ainda, 86,30% (3. 773) tem notebook em casa onde 50,17% (1.893) dos respondentes não compartilham e 49,83% (1.880) compartilham o notebook que possuem.
9- Nesse período duas iniciativas da gestão da UFAL nos chama a atenção:
- a) A PORTARIA 567/2020/GR QUE DISPÕE SOBRE CONDIÇÕES E PROCEDIMENTOS SOBRE AULAS NÃO PRESENCIAIS NA PÓS-GRADUAÇÃO.
- b) A MINUTA DE PORTARIA DA PROGRAD QUE DISPÕE SOBRE O PROGRAMA DE ATIVIDADES ESPECIAIS (PAE) NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO DA UFAL.
10- Em 2019 a então gestão da UFAL publicou o documento “Perfil sócio econômico dos (das) estudantes da UFAL. Em 2020, o resultado desse perfil foi republicado no formato e-book e com análises dos dados. A amostra foi de 3.669 discentes, que correspondeu a 12,5% do universo total da instituição. Em que pese ser uma amostra, a pesquisa sobre o perfil socioeconômico dos(das) estudantes da UFAL divulgados em 2019 e apresentados de forma mais analítica em 2020 já indica que 100% dos estudantes não têm acessibilidade justamente pelo seu perfil sócio econômico. Portanto, só por essa amostragem já sabemos que não há mínima condições de ser implementada EAD no ensino presencial a não ser que a instituição garanta as condições de acessibilidade.
80,2% dos estudantes que participaram da pesquisa pertence à famílias com renda per capita de até 1 salário e meio.
11- Neste debate, dentre diversas temáticas como a desqualificação e desprofissionalização do magistério, destacam-se: a reflexão sobre o papel/finalidade da educação e as condições de acesso às tecnologias.
12- PAPEL/FINALIDADE DA EDUCAÇÃO: O debate sobre o papel/finalidade da educação deveria preceder a qualquer discussão sobre aulas não-presenciais, seja na graduação ou na pós-graduação. De natureza sócio filosófica e pedagógica, discutir e definir a finalidade da educação que se pretende é estabelecer o marco referencial sobre a formação do cidadão e profissional que a instituição educacional pretende fazer. Qual químico? Qual Físico? Qual Médico? Qual Professor? Qual Arquiteto? Qual Biólogo? Qual Advogado? Qual Sociólogo... a instituição quer formar?
13- ACESSIBILIDADE: O debate sobre as condições de acessibilidade é o que mais tem se destacado nesse contexto. Há os negacionistas, setores/grupos ávidos em garantir a todo custo a continuidade das “aulas remotas” em um contexto de “anormalidade. A própria expressão “isolamento/distanciamento social” já demarca que estamos vivendo um “outro normal”. Fazendo uma analogia, a retórica do MEC: “a vida não pode parar”, “Estude de qualquer lugar de diferentes formas” lhes cai bem. Há também àqueles que reconhecem a precariedade do acesso às tecnologias, mas, não estão dispostos a enfrentar o debate de modo que recaem na retórica “a vida não pode parar”. E um terceiro grupo que ao reconhecer a precariedade da acessibilidade às ferramentas necessárias se coloca na vanguarda de que ao não se garantir acessibilidade a todos, o debate sobre aulas não-presenciais não deve se quer iniciado.
14- A UFAL, a EAD e a acessibilidade: É nesse contexto complexo de debates que a gestão da UFAL tem posto um debate (tem?) SOBRE “AULAS” NÃO PRESENCIAIS na graduação - (PAE) – e na pós-Graduação. De início me pergunto se o “contexto da pandemia”, através das portarias/minutas, não está servindo como um “laboratório” utilizado para justificar e implementar os 40% EAD no cenário “pós-pandemia” já que esse é um dos objetivos do GT criado.
15- Mas, para além desse debate que não é consenso, o fato concreto é que não há qualquer subsídio para que a comunidade tome qualquer posição sobre aulas não-presenciais, especialmente as obrigatórias, tampouco sobre EAD no ensino presencial. Tal avidez demonstra a mesma insensibilidade e postura do MEC ao se negar adiar o ENEM, afinal “a vida não pode parar”. Não menos grave, as duas iniciativas da gestão colocam para os docentes a “responsabilidade” de ofertar aula não-presencial e ao estudante se irá ou não aderir. Cabe a instituição se responsabilizar por essa tomada de decisão, asseguradas as condições e de forma coordenada com as unidades.
16- Onde estão os dados da acessibilidade dos outros 26.824 estudantes que não participaram da pesquisa? (observe que esse universo é quase a totalidade dos alunos da graduação). Esses estudantes não responderam porque não quiseram ou porque não têm a acessibilidade? Eles têm notebook, mas só acessam a rede na UFAL? Têm apenas celular mas sem acesso à rede? São muitas questões que podemos formular.
17- É necessário que a gestão em uma ação coordenada com as unidade acadêmicas, busque as informações de acessibilidade de cada estudante, para além do questionário, utilizando outras ferramentas como telefone (a Ufal tem os dados dos estudantes), e-mails... se pretende iniciar um debate sobre aulas não-presenciais, EAD.
18- É preciso de dados detalhados por área de conhecimento/unidade/campi/curso para termos o melhor retrato da realidade. Ainda, os dados por modalidade de cursos: bacharelados e licenciaturas. A UFAL tem mais de 30 licenciaturas e, como professor desses cursos, sei que parte dos estudantes não têm acessibilidade às tecnologias por estarem nas estatísticas do perfil-sócio econômico de estudantes em vulnerabilidade social.
19- A gestão da UFAL junto com as unidades acadêmicas, aproveitando o tempo das atividades de sala-de-aula suspensas deve estar preocupada em pensar o contexto pós-pandemia. Colocar a sua energia para conhecer as reais condições dos estudantes quanto à acessibilidade para que, inclusive, pós-pandemia possamos como instituição pública discutir com fundamentos a questão de aulas remotas etc.
20- Também, nesse tempo, a administração central, com a participação da comunidade, deve iniciar o debate sobre o planejamento de como será o retorno das atividades quando isso for possível para que não sejamos pegos por qualquer tomada de decisão intempestiva. Leher, no texto Em virtude da pandemia é necessário discutir o planejamento do sistema educacional traz algumas questões que contribui para esse debate, embora seja um texto para questões relacionadas ao sistema educacional como um todo.
Cabe a gestão da UFAL e demais gestores, a nós docentes/técnicos no contexto pandêmico e pós-pandemia tomar iniciativas que assegurem a inclusão de todos/as os /as estudantes e não reproduzir MAIS desigualdades. Sem isso a UFAL, instituição pública, será MENOS!
NENHUM ESTUDANTE A MENOS!
