NENHUM ESTUDANTE FICA PARA TRÁS!
NADA SOBRE NÓS PODE SER DECIDIDO SEM NÓS!
À Reitoria da Universidade Federal de Alagoas
A pandemia do novo coronavírus afetou o mundo, não estamos em um período de normalidade. As formas de gestão das políticas de saúde, educação, assistência entre outras, sofreram modificações. É um momento que exige sérias ações por parte dos representantes públicos e daqueles que pensam as Políticas Públicas listadas acima. No momento vemos uma tragédia acontecer no país, onde grande responsabilidade cabe principalmente ao Governo Federal, que atua de forma negacionista e criminosa no país que já é o segundo com mais infectados e com os maiores números de mortes diárias do mundo.
O Brasil é um país com imensas desigualdades sociais, raciais e de gênero, sendo o estado de Alagoas um dos entes da federação em que estas se apresentam de forma mais latente. Setores específicos da população como negros, moradores de periferias, os pertencentes às classes D e E, mulheres, LGBTs, povos indígenas e quilombolas, são os mais vulneráveis diante da pandemia e necessitam de políticas públicas alvo.
Em meio a todo esse quadro, assistimos a ocorrência de um debate nos cursos e na comunidade acadêmica da UFAL do Programa de Atividades Especiais (PAE), que significa a retomada de atividades acadêmicas mesmo durante o período de isolamento social. Em nossa opinião para que o debate sobre o PAE ocorra efetivamente na UFAL e deixe de ser uma imposição autoritária é preciso que seja feita uma discussão sobre o perfil dos estudantes de nossa universidade.
Para o debate sobre o PAE na UFAL é necessária a realização de uma discussão que leve em consideração o perfil dos estudantes de nossa universidade. Acreditamos que tratar o conjunto da comunidade estudantil como um bloco homogêneo é um erro que pode resultar na adoção de medidas e políticas acadêmicas que sejam excludentes, agravando em lugar de contribuir para diminuir os impactos produzidos por esse momento crítico que vivenciamos.
É tendo em consideração essa diversidade de composição da comunidade discente que pensamos devem ser considerados, em qualquer tomada de decisão dessa natureza, alguns dos seguintes critérios: perfil socioeconômico, acesso à internet a equipamentos e às Tecnologias da Informação e Comunicação (TICS) e saúde mental.
✅ PERFIL SOCIOECONÔMICO
A V Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos (as) Graduandos (as) das Ifes indica que 70,2% dos estudantes pertencem a famílias com renda per capita de até um e meio salário mínimo. Entre os discentes da UFAL, esse percentual sobe para 80,2%. Significa que, em 2018, dos 28.994 alunos, nada menos do que 23.195 pertenciam a famílias cuja renda per capita era de até um salário mínimo e meio, R$ 1.567,50 em valores de 2020. No Campus Arapiraca, esse percentual sobe para 94% e no Campus do Sertão esse percentual sobre para 95%. Este dado significa que, dos 8.398 matriculados no campus de Arapiraca e do Sertão, a quase totalidade pertencem a famílias com renda mensal per capita de até um salário mínimo e meio. Esses dados não deixam dúvida: os estudantes das Ifes brasileiras pertencem a famílias majoritariamente pobres e, no caso da UFAL, essa assertiva é ainda mais verdadeira.
É preciso levar em consideração estes dados e a condição real dos alunos no que se refere à moradia, declaração étnico-racial e renda, para que seja possível enxergar as sensibilidades, limitações e dificuldades que o PAE pode trazer para significativa parte dos estudantes.
A citada pesquisa, realizada pela ANDIFES com dados de 2018, mostrou também que 21% dos trancamentos de matrícula ocorrem por motivos relacionados a necessidades do trabalho. Esse é o maior índice dos motivos ligados ao trancamento. Também é provável que significativa parte dos estudantes desligados compulsoriamente da UFAL, ou da bolsa de permanência, sejam trabalhadores que tiveram dificuldades ao longo de sua graduação visto que o modelo de ensino acadêmico ainda é excludente com parcelas advinda de setores populares. Sabemos que grande parte dos estudantes da UFAL são também trabalhadores e revezam a rotina de estudos com a cansativa rotina do trabalho. Essa comunidade é vítima da falta de garantias para a sua permanência na universidade, constantemente colocada em risco, seja pela falta de políticas ou pela incompreensão de que a vida acadêmica desses sujeitos pode ser muito diferente daqueles que não precisam trabalhar enquanto estudam. Entender este fator é importante, porque mesmo em momento de isolamento sanitário, parte destes, como os call centers, ainda estão trabalhando.
Portanto, aqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade socioeconômica, no momento da pandemia, sofrem de forma mais drástica as consequências da crise econômica que atravessa o país, aumentando o estado de vulnerabilidade que se encontravam. Assim, qualquer medida proposta deve analisar seu impacto sobre estes estudantes e levar em conta a melhor forma de resolver esse tipo de desafio.
✅ ACESSO À INTERNET
Para pensar de forma concreta e não excludente a introdução do ensino à distância é necessário realizar uma avaliação das condições de acesso à internet. O estudo apresentado pela Ong Todos Pela Educação mostra que 67% dos domicílios brasileiros possuem acesso à rede, sendo esse percentual distribuído de forma desigual entre sua população em função da renda e das faixas salariais.
Entres os domicílios da classe A, 99% tem acesso à internet. Este número se mantém elevado com os da classe B, com 94%. Uma queda vertiginosa ocorre na C, com 76% de acesso. Esse índice despenca para apenas 40% nas chamadas classes D e E. Para os domicílios que não têm acesso à internet, atualmente, o principal motivo apontado é o alto custo do serviço (27%). É importante também considerarmos qual o dispositivo que os brasileiros utilizam para acessar a internet. O telefone celular é presente em 93% dos lares, sendo 100% na classe A e 84% na classe D e E. O mesmo não pode ser dito em relação aos computadores, pois apenas 9% das classes D e E possuem algum equipamento desses em casa.
Ao avaliarmos a possibilidade de uma solução tecnológica para minimizar os problemas decorrentes da pandemia no ensino superior brasileiro é preciso considerar os conteúdos que são colocados para os equipamentos e a possibilidade a qualidade de conexão que os estudantes possuem. A depender da capacidade do pacote de internet, ou do modelo do aparelho telefônico, torna- se impossível fazer download de arquivos densos para estudo, ou ter acesso com qualidade a determinados sites e vídeos.
As estratégias de elaboração de uma proposta para a atual situação devem ser norteadas por ações que busquem reduzir as desigualdades educacionais, levando em consideração, entre outras coisas, o disparate encontrado no acesso à internet entre os estudantes e os já distintos níveis de aprendizado apresentados pelos alunos.
Os alunos de nível socioeconômico mais baixo, que já deveriam receber maior foco de atenção da política educacional em situações normais, devem ganhar atenção ainda mais especial neste momento de crise. Um cruzamento entre a desigualdade social dos estudantes e a relação de acesso à internet, mostrará que a proposta de transformar a EaD em rotina pedagógica, ainda que em momento excepcional, é uma enorme oposição a real situação da maioria dos estudantes e pode contribuir para aumentar a probabilidade de exclusão justamente dos que mais deveriam ser incluídos.
✅ OUTROS GRUPOS MEMBROS DO CORPO DISCENTE
Além dos estudantes de baixa renda, outros grupos sociais cujos recorte compõe a heterogênea comunidade estudantil merecem atenção na elaboração de qualquer plano de ação pela UFAL no atual período.
As estudantes que exercem a maternidade são um exemplo, estas estudantes ficam sobrecarregadas com o conjunto de ações que exercem. Sabemos que existe uma transferência das responsabilidades do Estado para o indivíduo. Neste caso das mães, trata acerca da necessidade de garantir creches, escolas de tempo integral, realidade inexistente com a pandemia. Ao não assumir sua responsabilidade integralmente nas políticas públicas para as crianças e adolescentes, o Estado reforça as estruturas machistas de sobrecarga doméstica e laboral não remunerada aos esforços das mães. As estudantes mães provavelmente virão a ter um conjunto extra de dificuldades com atividades remotas, o que pode gerar uma queda no desempenho acadêmico e aumento de desligamento de bolsas e da própria universidade por rendimento insuficiente (de acordo com a visão das normas da UFAL), mas que se dá, na verdade, por absoluta falta de oportunidades e condições básicas.
Outra importante dimensão da comunidade que devemos levar em consideração são os estudantes que apresentam algum tipo de deficiência. A possibilidade de atividades remotas significa problema concreto para o acesso a tecnologias dependendo dos casos. A qualidade do ensino é colocada em risco pela falta de acessibilidade e inclusão, seja pela falta de traduções para libras, ou pela não formatação dos sistemas para as particularidades que cada deficiência depende, além de outros problemas que podem comprometer o acesso a estes estudantes. O capacitismo pode fazer com que esses estudantes sejam esquecidos quando debatemos sobre a possibilidade de implementação do PAE.
Um importante setor da comunidade acadêmica e que, em períodos de normalidade já tem seus direitos a educação secundarizados, são os estudantes indígenas e quilombolas. Estes apresentam uma realidade própria, e precisam ser alvos de estratégias e políticas específicas quando se pensa qualquer plano de educação.
✅SAÚDE MENTAL EM TEMPOS DE PANDEMIA
A pandemia atinge de diversas formas e de diferentes modos a vida de todos nós. No momento o nosso país ainda não atingiu o ápice da pandemia e os números diários não apresentam sinal de diminuição. Isto significa que cada vez mais é possível que conhecidos, amigos, familiares dos estudantes sejam infectados. Este momento único que presenciamos atinge, também, de forma única nossa saúde mental, e isto é aspecto que não pode ser ignorado para pensarmos qualquer retorno de atividades e aplicação de modelos de educação. Inclusive o modelo de ensino remoto, com um estado solitário de aprendizado, com poucas trocas e interações pode contribuir para um aumento no adoecimento mental dos estudantes, tendência muito relatada durante esse período de isolamento social.
Não podemos neste momento de dificuldades que o país atravessa, em que os estudantes e seus familiares são atingidos, e em que a saúde mental é fortemente abalada, aplicar estratégias de ensinos excludentes, exigências impossíveis de serem cumpridas, e cobranças desnecessárias aos alunos.
✅CONCLUSÃO E ÚLTIMAS OBSERVAÇÕES
Nós partimos de um princípio, o combate às desigualdades estruturais e históricas, e a promoção de meios que realizem a inclusão de grupos marginalizados, garantindo assim uma melhor equidade. Temos o compromisso com um modelo de educação e, por conseguinte, de universidade que seja pública, de qualidade, socialmente referenciada, e que permita o acesso e a permanência de setores que foram excluídos do ambiente universitário ao longo dos anos. Portanto, seremos contrários a medidas que possam ferir esses princípios e prejudicar qualquer estudante. Nesse sentido, acreditamos que, ao se falar sobre retorno das atividades e aulas remotas, devemos levar várias situações em conta, algumas delas destacadas aqui. Por essas e outras razões, acreditamos que a possibilidade de atividades remotas ainda não dialoga com todos.
Esta Carta assinada por Centros e Diretórios Acadêmicos, pelo Diretório Central dos Estudantes, e por coletivos e associações estudantis que atuam na UFAL, busca ser uma contribuição ao debate e pretende chamar atenção da comunidade acadêmica e alagoana para o grande número de questões que precisamos levar em conta antes de propor qualquer modelo de retomada. É papel da reitoria levar estas realidades em consideração no planejamento de qualquer plano e sem a participação das entidades de representação estudantil neste processo nos leva a crer que estes aspectos não são seriamente considerados, o que faz com que o corpo discente se sinta rejeitado em questão de qualquer decisão tomada sobre os mesmos.
A proposta da reitoria, além de ser vaga, difusa, não apresenta nenhuma leitura sobre a realidade dos estudantes, nem sobre as problemáticas do próprio ensino à distância sendo aplicado por muitos profissionais que não estão preparados para tal. Os professores serão capacitados para aplicação das aulas? Qual a garantia de direitos iguais que os alunos que não aderirem ao PAE terão? É possível que alunos sofram algum tipo de coação ou pressão difusa por parte de docentes para aderirem ao PAE? Se sim, como evitar isto? Como ficará o calendário acadêmico diante desta situação? Os professores que aderirem, irão aplicar a matéria em dois momentos distintos? isto aumentará a carga horária? Ou seja, além das particularidades descritas ao longo desta Carta, muitas outras dúvidas e questionamentos estão colocados e sequer foram tocados na minuta de Portaria que propõe o PAE.
Mais uma vez, é preciso levar em consideração, os dados socioeconômicos aqui apresentados e a condição real dos alunos no que diz respeito ao acesso às TICS, às condições de moradia, à declaração étnico-racial, ao quadro emocional, à condição de mães e de trabalhadoras/es de nossos estudantes, bem como as especificidade de outros grupos citados, para que seja possível enxergar as sensibilidades, processos de depressão e adoecimento, bem como outras limitações e dificuldades que podem ser agravadas, para um número muito grande dos/as estudantes da UFAL, pelo processo de implementação do PAE.
Acreditamos que é necessário ser construída uma base de dados que possa apresentar um mapeamento amplo e completo dos discentes, para assim organizar a discussão sobre a reorganização curricular ou retomada das atividades docentes, utilizando metodologias que permitam coletar as informações sobre os estudantes que sequer podem ter acesso a formulários online. As entidades que constroem esta nota entendem que é fundamental a participação discente nesse processo, e nenhuma decisão acerca de um tema tão sensível pode ser tomada sem que sejamos ouvidos nesse debate. Por isso nos colocamos à disposição para a contribuição em discussões com Reitoria, Pró-Reitorias, Conselhos, Comitês, e onde for necessário, para que possamos contribuir com o ponto de vista da comunidade estudantil na construção de soluções.
Por fim, mas não menos importante, deve-se considerar que esta deve ser uma decisão coletiva da Universidade através de suas instâncias colegiadas, fóruns, câmara acadêmica e pleno do CONSUNI e não uma decisão de cada unidade acadêmica ou colegiado, como se fossemos nós uma federação de cursos e não uma instituição universitária federal que se pautar pelo dever de prover condições igualitárias e com qualidade de acesso e permanência ao conjunto dos seus estudantes.
Nós que lutamos pela qualidade do ensino, políticas de assistência estudantil, permanência e ações afirmativas, acreditamos que no momento atual de uma pandemia, a universidade não pode retroceder na garantia de direitos e de uma educação que busque ser inclusiva para todos. Nós não deixaremos nenhum de nossos colegas estudantes para trás neste momento! Acreditamos na solidariedade e em ações coletivas como forma de alcançar as pautas que almejamos. Neste momento propomos que o corpo discente deve fazer parte de todas as discussões que dizem respeito ao seu futuro.
Assinam este manifesto:
Diretório Central dos Estudantes Quilombo dos Palmares (DCE – UFAL)
Maceió, 27 de maio de 2020
Texto disponível em DCE
NADA SOBRE NÓS PODE SER DECIDIDO SEM NÓS!
À Reitoria da Universidade Federal de Alagoas
A pandemia do novo coronavírus afetou o mundo, não estamos em um período de normalidade. As formas de gestão das políticas de saúde, educação, assistência entre outras, sofreram modificações. É um momento que exige sérias ações por parte dos representantes públicos e daqueles que pensam as Políticas Públicas listadas acima. No momento vemos uma tragédia acontecer no país, onde grande responsabilidade cabe principalmente ao Governo Federal, que atua de forma negacionista e criminosa no país que já é o segundo com mais infectados e com os maiores números de mortes diárias do mundo.
O Brasil é um país com imensas desigualdades sociais, raciais e de gênero, sendo o estado de Alagoas um dos entes da federação em que estas se apresentam de forma mais latente. Setores específicos da população como negros, moradores de periferias, os pertencentes às classes D e E, mulheres, LGBTs, povos indígenas e quilombolas, são os mais vulneráveis diante da pandemia e necessitam de políticas públicas alvo.
Em meio a todo esse quadro, assistimos a ocorrência de um debate nos cursos e na comunidade acadêmica da UFAL do Programa de Atividades Especiais (PAE), que significa a retomada de atividades acadêmicas mesmo durante o período de isolamento social. Em nossa opinião para que o debate sobre o PAE ocorra efetivamente na UFAL e deixe de ser uma imposição autoritária é preciso que seja feita uma discussão sobre o perfil dos estudantes de nossa universidade.
Para o debate sobre o PAE na UFAL é necessária a realização de uma discussão que leve em consideração o perfil dos estudantes de nossa universidade. Acreditamos que tratar o conjunto da comunidade estudantil como um bloco homogêneo é um erro que pode resultar na adoção de medidas e políticas acadêmicas que sejam excludentes, agravando em lugar de contribuir para diminuir os impactos produzidos por esse momento crítico que vivenciamos.
É tendo em consideração essa diversidade de composição da comunidade discente que pensamos devem ser considerados, em qualquer tomada de decisão dessa natureza, alguns dos seguintes critérios: perfil socioeconômico, acesso à internet a equipamentos e às Tecnologias da Informação e Comunicação (TICS) e saúde mental.
✅ PERFIL SOCIOECONÔMICO
A V Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos (as) Graduandos (as) das Ifes indica que 70,2% dos estudantes pertencem a famílias com renda per capita de até um e meio salário mínimo. Entre os discentes da UFAL, esse percentual sobe para 80,2%. Significa que, em 2018, dos 28.994 alunos, nada menos do que 23.195 pertenciam a famílias cuja renda per capita era de até um salário mínimo e meio, R$ 1.567,50 em valores de 2020. No Campus Arapiraca, esse percentual sobe para 94% e no Campus do Sertão esse percentual sobre para 95%. Este dado significa que, dos 8.398 matriculados no campus de Arapiraca e do Sertão, a quase totalidade pertencem a famílias com renda mensal per capita de até um salário mínimo e meio. Esses dados não deixam dúvida: os estudantes das Ifes brasileiras pertencem a famílias majoritariamente pobres e, no caso da UFAL, essa assertiva é ainda mais verdadeira.
É preciso levar em consideração estes dados e a condição real dos alunos no que se refere à moradia, declaração étnico-racial e renda, para que seja possível enxergar as sensibilidades, limitações e dificuldades que o PAE pode trazer para significativa parte dos estudantes.
A citada pesquisa, realizada pela ANDIFES com dados de 2018, mostrou também que 21% dos trancamentos de matrícula ocorrem por motivos relacionados a necessidades do trabalho. Esse é o maior índice dos motivos ligados ao trancamento. Também é provável que significativa parte dos estudantes desligados compulsoriamente da UFAL, ou da bolsa de permanência, sejam trabalhadores que tiveram dificuldades ao longo de sua graduação visto que o modelo de ensino acadêmico ainda é excludente com parcelas advinda de setores populares. Sabemos que grande parte dos estudantes da UFAL são também trabalhadores e revezam a rotina de estudos com a cansativa rotina do trabalho. Essa comunidade é vítima da falta de garantias para a sua permanência na universidade, constantemente colocada em risco, seja pela falta de políticas ou pela incompreensão de que a vida acadêmica desses sujeitos pode ser muito diferente daqueles que não precisam trabalhar enquanto estudam. Entender este fator é importante, porque mesmo em momento de isolamento sanitário, parte destes, como os call centers, ainda estão trabalhando.
Portanto, aqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade socioeconômica, no momento da pandemia, sofrem de forma mais drástica as consequências da crise econômica que atravessa o país, aumentando o estado de vulnerabilidade que se encontravam. Assim, qualquer medida proposta deve analisar seu impacto sobre estes estudantes e levar em conta a melhor forma de resolver esse tipo de desafio.
✅ ACESSO À INTERNET
Para pensar de forma concreta e não excludente a introdução do ensino à distância é necessário realizar uma avaliação das condições de acesso à internet. O estudo apresentado pela Ong Todos Pela Educação mostra que 67% dos domicílios brasileiros possuem acesso à rede, sendo esse percentual distribuído de forma desigual entre sua população em função da renda e das faixas salariais.
Entres os domicílios da classe A, 99% tem acesso à internet. Este número se mantém elevado com os da classe B, com 94%. Uma queda vertiginosa ocorre na C, com 76% de acesso. Esse índice despenca para apenas 40% nas chamadas classes D e E. Para os domicílios que não têm acesso à internet, atualmente, o principal motivo apontado é o alto custo do serviço (27%). É importante também considerarmos qual o dispositivo que os brasileiros utilizam para acessar a internet. O telefone celular é presente em 93% dos lares, sendo 100% na classe A e 84% na classe D e E. O mesmo não pode ser dito em relação aos computadores, pois apenas 9% das classes D e E possuem algum equipamento desses em casa.
Ao avaliarmos a possibilidade de uma solução tecnológica para minimizar os problemas decorrentes da pandemia no ensino superior brasileiro é preciso considerar os conteúdos que são colocados para os equipamentos e a possibilidade a qualidade de conexão que os estudantes possuem. A depender da capacidade do pacote de internet, ou do modelo do aparelho telefônico, torna- se impossível fazer download de arquivos densos para estudo, ou ter acesso com qualidade a determinados sites e vídeos.
As estratégias de elaboração de uma proposta para a atual situação devem ser norteadas por ações que busquem reduzir as desigualdades educacionais, levando em consideração, entre outras coisas, o disparate encontrado no acesso à internet entre os estudantes e os já distintos níveis de aprendizado apresentados pelos alunos.
Os alunos de nível socioeconômico mais baixo, que já deveriam receber maior foco de atenção da política educacional em situações normais, devem ganhar atenção ainda mais especial neste momento de crise. Um cruzamento entre a desigualdade social dos estudantes e a relação de acesso à internet, mostrará que a proposta de transformar a EaD em rotina pedagógica, ainda que em momento excepcional, é uma enorme oposição a real situação da maioria dos estudantes e pode contribuir para aumentar a probabilidade de exclusão justamente dos que mais deveriam ser incluídos.
✅ OUTROS GRUPOS MEMBROS DO CORPO DISCENTE
Além dos estudantes de baixa renda, outros grupos sociais cujos recorte compõe a heterogênea comunidade estudantil merecem atenção na elaboração de qualquer plano de ação pela UFAL no atual período.
As estudantes que exercem a maternidade são um exemplo, estas estudantes ficam sobrecarregadas com o conjunto de ações que exercem. Sabemos que existe uma transferência das responsabilidades do Estado para o indivíduo. Neste caso das mães, trata acerca da necessidade de garantir creches, escolas de tempo integral, realidade inexistente com a pandemia. Ao não assumir sua responsabilidade integralmente nas políticas públicas para as crianças e adolescentes, o Estado reforça as estruturas machistas de sobrecarga doméstica e laboral não remunerada aos esforços das mães. As estudantes mães provavelmente virão a ter um conjunto extra de dificuldades com atividades remotas, o que pode gerar uma queda no desempenho acadêmico e aumento de desligamento de bolsas e da própria universidade por rendimento insuficiente (de acordo com a visão das normas da UFAL), mas que se dá, na verdade, por absoluta falta de oportunidades e condições básicas.
Outra importante dimensão da comunidade que devemos levar em consideração são os estudantes que apresentam algum tipo de deficiência. A possibilidade de atividades remotas significa problema concreto para o acesso a tecnologias dependendo dos casos. A qualidade do ensino é colocada em risco pela falta de acessibilidade e inclusão, seja pela falta de traduções para libras, ou pela não formatação dos sistemas para as particularidades que cada deficiência depende, além de outros problemas que podem comprometer o acesso a estes estudantes. O capacitismo pode fazer com que esses estudantes sejam esquecidos quando debatemos sobre a possibilidade de implementação do PAE.
Um importante setor da comunidade acadêmica e que, em períodos de normalidade já tem seus direitos a educação secundarizados, são os estudantes indígenas e quilombolas. Estes apresentam uma realidade própria, e precisam ser alvos de estratégias e políticas específicas quando se pensa qualquer plano de educação.
✅SAÚDE MENTAL EM TEMPOS DE PANDEMIA
A pandemia atinge de diversas formas e de diferentes modos a vida de todos nós. No momento o nosso país ainda não atingiu o ápice da pandemia e os números diários não apresentam sinal de diminuição. Isto significa que cada vez mais é possível que conhecidos, amigos, familiares dos estudantes sejam infectados. Este momento único que presenciamos atinge, também, de forma única nossa saúde mental, e isto é aspecto que não pode ser ignorado para pensarmos qualquer retorno de atividades e aplicação de modelos de educação. Inclusive o modelo de ensino remoto, com um estado solitário de aprendizado, com poucas trocas e interações pode contribuir para um aumento no adoecimento mental dos estudantes, tendência muito relatada durante esse período de isolamento social.
Não podemos neste momento de dificuldades que o país atravessa, em que os estudantes e seus familiares são atingidos, e em que a saúde mental é fortemente abalada, aplicar estratégias de ensinos excludentes, exigências impossíveis de serem cumpridas, e cobranças desnecessárias aos alunos.
✅CONCLUSÃO E ÚLTIMAS OBSERVAÇÕES
Nós partimos de um princípio, o combate às desigualdades estruturais e históricas, e a promoção de meios que realizem a inclusão de grupos marginalizados, garantindo assim uma melhor equidade. Temos o compromisso com um modelo de educação e, por conseguinte, de universidade que seja pública, de qualidade, socialmente referenciada, e que permita o acesso e a permanência de setores que foram excluídos do ambiente universitário ao longo dos anos. Portanto, seremos contrários a medidas que possam ferir esses princípios e prejudicar qualquer estudante. Nesse sentido, acreditamos que, ao se falar sobre retorno das atividades e aulas remotas, devemos levar várias situações em conta, algumas delas destacadas aqui. Por essas e outras razões, acreditamos que a possibilidade de atividades remotas ainda não dialoga com todos.
Esta Carta assinada por Centros e Diretórios Acadêmicos, pelo Diretório Central dos Estudantes, e por coletivos e associações estudantis que atuam na UFAL, busca ser uma contribuição ao debate e pretende chamar atenção da comunidade acadêmica e alagoana para o grande número de questões que precisamos levar em conta antes de propor qualquer modelo de retomada. É papel da reitoria levar estas realidades em consideração no planejamento de qualquer plano e sem a participação das entidades de representação estudantil neste processo nos leva a crer que estes aspectos não são seriamente considerados, o que faz com que o corpo discente se sinta rejeitado em questão de qualquer decisão tomada sobre os mesmos.
A proposta da reitoria, além de ser vaga, difusa, não apresenta nenhuma leitura sobre a realidade dos estudantes, nem sobre as problemáticas do próprio ensino à distância sendo aplicado por muitos profissionais que não estão preparados para tal. Os professores serão capacitados para aplicação das aulas? Qual a garantia de direitos iguais que os alunos que não aderirem ao PAE terão? É possível que alunos sofram algum tipo de coação ou pressão difusa por parte de docentes para aderirem ao PAE? Se sim, como evitar isto? Como ficará o calendário acadêmico diante desta situação? Os professores que aderirem, irão aplicar a matéria em dois momentos distintos? isto aumentará a carga horária? Ou seja, além das particularidades descritas ao longo desta Carta, muitas outras dúvidas e questionamentos estão colocados e sequer foram tocados na minuta de Portaria que propõe o PAE.
Mais uma vez, é preciso levar em consideração, os dados socioeconômicos aqui apresentados e a condição real dos alunos no que diz respeito ao acesso às TICS, às condições de moradia, à declaração étnico-racial, ao quadro emocional, à condição de mães e de trabalhadoras/es de nossos estudantes, bem como as especificidade de outros grupos citados, para que seja possível enxergar as sensibilidades, processos de depressão e adoecimento, bem como outras limitações e dificuldades que podem ser agravadas, para um número muito grande dos/as estudantes da UFAL, pelo processo de implementação do PAE.
Acreditamos que é necessário ser construída uma base de dados que possa apresentar um mapeamento amplo e completo dos discentes, para assim organizar a discussão sobre a reorganização curricular ou retomada das atividades docentes, utilizando metodologias que permitam coletar as informações sobre os estudantes que sequer podem ter acesso a formulários online. As entidades que constroem esta nota entendem que é fundamental a participação discente nesse processo, e nenhuma decisão acerca de um tema tão sensível pode ser tomada sem que sejamos ouvidos nesse debate. Por isso nos colocamos à disposição para a contribuição em discussões com Reitoria, Pró-Reitorias, Conselhos, Comitês, e onde for necessário, para que possamos contribuir com o ponto de vista da comunidade estudantil na construção de soluções.
Por fim, mas não menos importante, deve-se considerar que esta deve ser uma decisão coletiva da Universidade através de suas instâncias colegiadas, fóruns, câmara acadêmica e pleno do CONSUNI e não uma decisão de cada unidade acadêmica ou colegiado, como se fossemos nós uma federação de cursos e não uma instituição universitária federal que se pautar pelo dever de prover condições igualitárias e com qualidade de acesso e permanência ao conjunto dos seus estudantes.
Nós que lutamos pela qualidade do ensino, políticas de assistência estudantil, permanência e ações afirmativas, acreditamos que no momento atual de uma pandemia, a universidade não pode retroceder na garantia de direitos e de uma educação que busque ser inclusiva para todos. Nós não deixaremos nenhum de nossos colegas estudantes para trás neste momento! Acreditamos na solidariedade e em ações coletivas como forma de alcançar as pautas que almejamos. Neste momento propomos que o corpo discente deve fazer parte de todas as discussões que dizem respeito ao seu futuro.
Assinam este manifesto:
Diretório Central dos Estudantes Quilombo dos Palmares (DCE – UFAL)
Maceió, 27 de maio de 2020
Texto disponível em DCE